30/07/2012

Cartas de rejeição

Acabo de ler um interessante artigo sobre um autor que, no seu site, juntamente com outro material, publicou as cartas de rejeição que foi recebendo dos editores. Jac Jemc diz que aprendeu bastante com essas cartas e com a troca de impressões que manteve com alguns editores. 

Em Portugal, tanto quanto sei, praticamente não se escreve individualmente aos autores que propõem a publicação de um texto (quando se responde, sequer). Será por falta de tempo? Incapacidade de fundamentar um ponto de vista? Receio de passar as ideias à pedra («não vá um dia este tipo ganhar o Nobel e eu ficar mal visto»?)
Por outro lado, não me lembro de algum dia ter ouvido um autor nacional falar das negativas que recebeu (e muito menos de quem as deu). Falta de autoconfiança?

A verdade é que praticamente todos os autores ouvem alguns nãos antes de chegarem ao sim. Essas recusas, em si, não representam um falhanço. São a opinião de alguém, num dado momento, e uma oportunidade para aprender. Daí que seja uma pena que muitos autores não recebam qualquer resposta às suas solicitações.

No estrangeiro, sobretudo no mundo anglófono, a tradição das cartas de rejeição é antiga e tem fama. Nalguns casos, as negativas acabam por ser um troféu. Mas o mercado editorial português é pequeno e fechado — o que contribui para o secretismo — e não tem agentes literários — próximos dos editores e que costumam esperar justificações para as recusas.

As editoras recebem demasiadas propostas sem interesse e muitas delas não merecem mais do que o tradicional «gratos pelo seu contacto, lamentamos informar que a obra que nos propõe não se enquadra na nossa linha editorial» (céus, quantas vezes escrevi isto!). No entanto, quando a proposta não é assim tão disparatada, gastar alguns minutos a dizer o que se achou ajudaria toda a gente o autor, que reflete; o  editor, que contribui para a formação dos autores e para a manutenção/elevação dos critérios de exigência; o leitor, que acaba por ler trabalhos mais apurados.

Se planeia propor um texto a uma casa editora, sublinhe que gostaria de receber uma resposta, mesmo que negativa. Se ela vier, pode não gostar do conteúdo, mas pedir e acolher essa opinião (que «vale o que vale») com graciosidade irá dar-lhe experiência.
Para se ir preparando, aqui fica esta sugestão bem-humorada.

27/07/2012

Salgalhadas*

Quem gosta muito de palavras acaba por detestar algumas e algumas das coisas que lhes fazem. Um ódio antigo que tenho é o de ouvir chamar salada à alface. Tão crua, tão singela e inocente. Sem mais nem menos, deitam-lhe sal ou misturam-na com outras coisas. Salada? A que propósito?
Pois bem, a minha indignação duplicou. No dicionário virtual da Porto Editora, um dos significados de salada é alface. Bem sei que tem à frente a indicação popular, mas sancionar a tolice parece-me tolice maior. E pronto, dei por mim a ser purista. Tudo por causa de uma pobre alface.

Os maus usos devem ser dicionarizados? Onde se começa e onde se para? Fica aqui a questão.

* Para quem não sabe, salganhada não existe oficialmente, só salgalhada.

26/07/2012

Livro retirado do mercado por ter demasiadas gralhas

Ao que parece, no Canadá, um autor mandou recolher todo os exemplares do seu livro quando percebeu que a tiragem deste fora feita a partir de uma versão que não era a final, pois a edição estava cheia de gralhas. A história tem que se lhe diga (soa a manobra de marketing e trata-se de um «tipo especial» de editora»), mas a verdade é que erros destes acontecem e saem caros.

Deixar passar erros valentes e enviar os ficheiros errados às gráficas acontece com mais frequência do que se pensa. Os livros quase nunca vêm para trás, pois o custo é imenso. O melhor que se faz, na maioria dos casos, é prometer aos lesados que reclamam os leitores menos incautos e mais reivindicativos um exemplar de substituição quando se fizer uma segunda edição emendada.

Se publicasse um livro e a sua editora cometesse um erro destes, o que faria? Tirava partido da situação, como fez este autor, e/ou exigia que a editora o indemnizasse por ter manchado o seu nome?


Por falar em coisas que passam ao prelo acidentalmente, aqui fica uma história deliciosa:



25/07/2012

Assolapada

Como tantas outras, «assolapada» é uma palavra mal usada. Quase toda a gente julga, por exemplo, que uma paixão assolapada é uma paixão de morte, intensíssima. Mas não. «Assolapada» (que vem de solapar) quer dizer escondida, oculta. 
O povo lá diz que o fruto proibido é o mais apetecido...

19/07/2012

É já amanhã

Que abre ao público, na Fundação Calouste Gulbenkian, a exposição TAREFAS INFINITAS. QUANDO A ARTE E O LIVRO SE ILIMITAM.

[...]
Ao longo do percurso expositivo, livros iluminados medievais surgem em diálogo com livros de artista contemporâneos, livros ilustrados do século XVII são exibidos junto a livros conceptuais do século XX e livros de horas confrontam-se com livros futuristas e livros de poesia visual. Pontes improváveis que fazem conviver lado a lado, por exemplo, um conjunto de caixas de ferro onde o artista Rui Chafes guarda cinzas de textos que escreve, com um Apocalipse iluminado século XIII, que mostra a fogueira onde padecerão os condenados do Juízo Final. 
[...]

Uma das minhas peças preferidas é o Cent mille milliards de poèmes, de Raymond Queneau, que agora verei ao vivo.

Mal posso esperar!

18/07/2012

A língua em cuidados

Nos últimos dias, recebemos todos uma boa notícia: o Ciberdúvidas, esse tesouro, que esteve em risco de fechar por falta de financiamento, receberá apoio estatal, segundo anunciou Francisco José Viegas.
Que alívio. Milhares de pessoas alunos, professores, profissionais da escrita e não só consultam todos os dias esse site para esclarecer as suas dúvidas, e elas estão muito longe de se esgotar.

Uma notícia nada positiva é a de que, «no que diz respeito ao secundário, a média nacional dos resultados das provas de Português em 2011 foi de 9,6 valores». Depois de ler o artigo, qualquer pessoa fica de coração partido.
 
Se visitarem o Ciberdúvidas hoje, encontram logo na página de entrada duas coisas engraçadas: uma apresentação de diapositivos sobre o ser-se linguista e uma troca de correspondência entre Teolinda Gersão e Maria Helena Mira Mateus, acerca dos programas de ensino da língua portuguesa, um assunto espinhoso.

A língua é de todos. E às vezes, quando uma coisa é de todos, parece que não é de ninguém, mas não é verdade. É preciso ampará-la. Lembremo-nos disso.

11/07/2012

09/07/2012

Dicas para colegas

Quando comecei a traduzir livros, percebi rapidamente que precisava de uma régua para não me perder sempre que desviava o olhar da página. Aqueles segundos passados à procura da última linha em que se ficou tornam-se sumamente irritantes quando a situação se repete 50 vezes num dia. 
Procurei em papelarias, vasculhei a internet, mas nada. Sabia o que queria uma espécie de régua que se prendesse nas páginas e que eu pudesse ir descendo. Há coisas destas para folhas A4 (para quem faz transcrições, por exemplo), mas não para livros. Foi então que, eureka, percebi que a solução estava mesmo à minha frente, ora vejam:

Uma BIC, claro! A tampa agarra-se às páginas e a caneta marca a linha.

Na imagem podem ainda ver mais duas das minhas ferramentas. Para segurar o livro em pé e ligeiramente inclinado, uso um agrafador como suporte. Para manter o livro aberto, as molas são o ideal.

Têm outros truques deste género?

03/07/2012

Intelectus apertatus discurrit

Se é daquelas pessoas que trabalha melhor sob pressão, tem aqui duas ferramentas perfeitas. 

Este site permite-lhe definir um objetivo e escolher uma punição pública caso não o atinja — a divulgação de fotografias embaraçosas. Chegando ao fim do prazo que estabeleceu, os seus amigos votam no Facebook para decidir se atingiu o objetivo ou não. Caso a maioria do seus contactos vote que não, a sentença é executada, sem direito a recurso.
Quer escrever um  livro de 200 páginas até ao final do ano? Experimente chantagear-se a si próprio, pode ser que resulte. Tenha só cuidado com os seus amigos, pois podem votar que não só para ver a sua fotografia... 

Além deste método, há também uma aplicação para PC e iPad chamada Write or Die. Completamente configurável, o autor define o número de palavras que quer escrever e o tempo em que quer fazê-lo. Se não se apressar, o texto que já escreveu começa a ser apagado. 

Por vezes, as distrações e a procrastinação não dão jeito nenhum. Para grandes males, soluções radicais.

02/07/2012

Porque ≠ por que


Ainda não é hoje que escrevo sobre as diferenças subtis entre «porque» e «por que», mas uma coisa posso afiançar já: diz-se sempre
«Por que carga de água...»
«Por que raio...»
«Por que motivo...»
«Por que razão...» 

Nestes casos nunca é porque, como no mau exemplo acima, é sempre por que (coisa).