28/11/2013

Assumir e presumir

De há uns anos a esta parte, vejo todos os dias gente a dizer e escrever coisas como: «assumi que estarias em casa», «inicialmente, assumimos que era seguro», «não assumas se não tens dados suficientes para o fazer». O que, na verdade, estas pessoas querem dizer é presumir.

«Assumir» é um verbo transitivo que significa:
1.    tomar sobre si; atribuir-se
2.    encarregar-se de; arrogar
3.    adotar; ostentar
4.    alcançar; atingir

(Gostaria de ver um exemplo desta última aceção numa frase, porque não estou a conseguir imaginar a palavra com esse sentido, mas está bem.)

Só recentemente e ao que parece começou tudo no contexto da Filosofia (são terríveis, os filósofos...) – é que se começou a usar o «assumir» para significar a admissão de algo a título de hipótese, como base de uma investigação, de um raciocínio. Este novo «assumir» deriva muito diretamente to «to assume» inglês. Tal como usar «assunção» para traduzir «assumption», quando a tradução correta seria «presunção». Trata-se de um false friend.

À primeira vista, pode parecer presunçoso ligar a estas pequenas distinções e é fácil dizermos que o «assumir» pode ser facilmente estendido a um «presumir» se o usarmos no primeiro ou no terceiro sentido da lista de definições acima (ex.: «adoto uma determinada proposição como hipótese» ou «tomo como verdadeira certa informação»), mas nada há de menos presunçoso do que a simplicidade e a clareza. E presumir traduz tão melhor o que queremos dizer... pre-, antes, antes de termos a certeza. Em geral, só assumimos uma coisa depois de estarmos certos dela; já não há margem para especulações: encarregamo-nos, reconhecemos, adotamos. Assim, assumamos de uma vez por todas que, quando supomos, presumimos.

25/11/2013

Roleta emocional

Nas minhas deambulações internéticas, encontrei a seguinte imagem:


Esta roda conterá o espectro das principais emoções humanas devidamente agrupadas e subdivididas. Não sei de onde vem este gráfico, se é usado na área de psicologia ou noutra. Também não sei se as emoções vividas são assim tão simples. Contudo, as aqui listadas resumem e catalogam com relativa eficácia a maioria dos estados emocionais dos seres humanos e, portanto, os principais motores das nossas acçõe.

Seja qual for a sua origem e utilidade noutras áreas, a verdade é que esta roda pode ser muito útil para quem escreve ficção, tanto no que diz respeito à afinação de personagens que devem ter emoções  credíveis e complexas , como à superação do bloqueio criativo. Se não sabe por onde começar a escrever, porque não girá-la, interromper a rotação carregando num ponto e, partindo da emoção que o acaso selecionou, construir uma narrativa? O protagonista sente-se zangado? De que maneira? Porquê?
E que tal combinar duas emoções quaisquer e ver o que sai? Depois de experimentarem, contem-me como correu.

PS: Entretanto, fui pesquisar melhor e descobri que esta roda se enquadra no estudo do contraste e categorização das emoções, na área da psicologia, e que Robert Plutchik criou em 1980 uma roda semelhante:


21/11/2013

Deixar livros a meio (como leitores)

No blogue do Goodreads, encontrei o seguinte gráfico sobre livro deixados a meio, o que nos leva a fazê-lo, quais os mais abandonados, etc. Há muitas pessoas que se recusam a deixar livros (e filmes e refeições) a meio, mesmo quando não estão a gostar, mas muitas outras – como eu –, desistem se a experiência não lhes está a saber bem, seja por qual for o motivo. O motivo costuma ser a parte mais interessante do abandono. Já tenho largado um livro por a história não me estar a convencer, não gostar da linguagem usada, o autor nada ter de novo para me dizer, por não estar a perceber o objetivo de tudo aquilo ou por outras razões. Insisto, mas se o esforço não compensa, acabo por desistir de ler.

Quando alguém deixa um livro a meio, geralmente fá-lo zangado, porque ficou desiludido, ou então apático, porque simplesmente se desinteressou. Porém, descobri que nem sempre é assim. Há pouco tempo, larguei uma leitura a meio propositadamente e dei-me por completamente satisfeita: já tinha lido metade da obra, belíssima, imaginei o que aconteceria no fim (o que a contracapa - maldita - mais tarde confirmou) e sabia que o resto do texto seria igualmente belo. Só não seria surpreendente, nem na qualidade literária nem no enredo. Por isso, deixei-o a meio e parti para o seguinte. Já vos aconteceu o mesmo?





Se estão curiosos com o livro que larguei a meio, posso dizer-vos que foi O Templo Dourado, de Mishima. :)

18/11/2013

«Há x tempo atrás»

 
Quase toda a gente diz  ou escreve «há x dias/meses/anos atrás» e fá-lo sem pensar duas vezes. Se pensasse, constataria que quando dizemos que é porque já houve (ou está a haver, mas, como falamos de tempo, ele já passou; afinal, tempus fugit...) e, nesse caso, dizer atrás é pleonasmo, um pouco como «subir para cima». Percebe-se que esse complemento serve para reforçar a ideia de distância, mas não é, de todo, necessário.
Desde que me chamaram a atenção para isto há uns anos, nunca mais voltei a conseguir dizer o atrás.*
Não temos de estar obsessivamente atentos a tudo que dizemos, claro, mas é divertido repararmos nestas minúsculas grandes coisas (que têm o seu lado filosófico) e é conveniente exprimirmo-nos com clareza e aha! economia, quase sempre sinónimo de elegância e inteligência.


*Confesso que por vezes sinto saudades de uma certa ingenuidade na expressão, de quando não pensava duas vezes no que dizia, mas depois passa.

15/11/2013

Assentos e acentos








Lembramos: por mais que a população insista, «cu», «peru», «menu» ou «cru» não levam acento...

12/11/2013

De

Estas duas letrinhas – de – são, para algumas pessoas, as mais difíceis de gerir. Não me refiro ao «de» dos apelidos e sim ao «de» mais prosaico que devemos pôr aqui e ali para que o que dizemos e escrevemos faça sentido. Deparo todos os dias com exemplos de má utilização do «de», em que ele ora lá está, ora está em falta. Exemplos? Cá vão dois:

Ele chamou-me de estúpida.

Deite fora coisas [de] que já não precisa.

No primeiro caso, o «de» não faz falta alguma, basta dizermos «ele chamou-me estúpida» (temos muita pena, estamos certos de que foi injusto). No segundo caso, precisamos de um «de», porque precisamos de coisas, não precisamos coisas (precisar coisas é ser mais específico em relação a coisas).*


*Quanto a este último exemplo, há quem admita a ausência do «de»,  mas a meu ver devemos empregá-lo aqui, evitando ambiguidades.

11/11/2013

Prioridades


No outro dia, encontrei esta imagem no mural de Facebook de uma pessoa próxima. Este tipo de «postais» costumam ter piada e são geralmente irónicos ou satíricos, mas por vezes os seus autores limitam-se a exprimir o enfado que sentem para com o resto do mundo, como acontece neste caso. O postal não me parece nada irónico e, francamente, não sei como pode alguém achar que é mais importante um pai conversar com um filho sobre gramática e ortografia do que sobre sexo e drogas. Não consigo pôr-me dentro da cabeça da pessoa que acha isso, mas conheço esse tipo de pessoas: as que se acham superiores aos outros por se exprimirem melhor oralmente ou por escrito, ou que acham que as deficiências ortográficas descredibilizam só por si narrativas ou argumentos bem formados. Geralmente, essas pessoas tiveram a sorte de terem tido acesso a uma boa formação académica, mas revelam falta de formação pessoal.
Sim, a gramática, a ortografia, a pontuação, a dicção, tudo isso são coisas importantes e devemos ser exigentes em relação a elas , mas não são prioritárias (que tal acabarmos primeiro com a fome no mundo, hein?), nem nenhuma deficiência a esse nível justifica uma postura de grammar nazi.
Relembrando as sábias palavras de Manuel António Pina: «Precisamos mais de boas pessoas [...] do que de bons escritores. Bons escritores há muitos, [...] boas pessoas não.»

08/11/2013

Problemas pontuais

Clique na imagem para a aumentar.




06/11/2013

22 pistas (porque aqui não acreditamos em regras fixas ou soluções mágicas) para escrever histórias

Se estivermos atentos, aprendemos com tudo à nossa volta. Os filmes as histórias neles contidas são uma fonte de conhecimento especialmente rica e acessível. Os estúdios de animação Pixar têm-se revelado mestres a contar histórias. Emma Coats, que trabalhou naquela empresa, compilou em 2011 alguns dos princípios por que a equipa de guionistas e desenhadores se regia e que se podem aplicar a qualquer pessoa que escreva ou que procure orientação para começar a escrever. Pouco depois, Dino Ignacio pegou nessa lista de ideias e pô-las em imagens. Eis o resultado:



E, para rematar:

«I just watched a film where a man's wife is brutally murdered by a serial killer, and his son is left physically disabled. Then in a twisted turn of events, his son is kidnapped, and the man has to chase the kidnapper 1,000's of miles with the help of a mentally disabled woman. Finding Nemo is a real thriller.»

04/11/2013

«Write what you know»?




Este conselho «escreve sobre as coisas que conheces» , que se dá recorrentemente a quem escreve ou quer escrever, será útil para muitos, mas deixa-me paralisada. É verdade que, como aconselhei aqui, tenho a vantagem de já ter tido várias profissões, de já passado por muitos universos, mas para se escrever sobre aquilo que se sabe é preciso saber-se alguma coisa, e eu, precisamente, nada sei. Não tenho grandes certezas na vida, não acredito em nada dogmaticamente, matei cedo quase todos os ídolos, não me julgo portadora de qualquer verdade universal, pelo menos não de uma original ou que mereça transmissão direta. Assim, que me resta? Escrever sobre o que não sei. (É claro que posso escrever receitas de bolos que conheço, mas não é disso que estamos a falar.) E isto é vertiginoso. Sempre que dou «o» passo e me proponho escrever qualquer coisa minha, à minha frente, o abismo.
Felizmente, que a companhia sempre conforta, não sou a única com vertigens. E depois, claro, há uma ou outra citação amiga:

Ao escrevermos, como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que sabemos mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro.
Gilles Deleuze