Alexandra Lucas Coelho escreveu ontem, no Público, um artigo sobre as dificuldades dos escritores e a falta de aposta na escrita por parte de entidades públicas e privadas em Portugal. O texto dá um bom vislumbre do cenário em que vivemos. Porém, se concordo com umas coisas, não concordo com outras. Vejamos ponto a ponto.
1. Deixar um emprego de que não se gosta para fazer outra coisa mais gratificante é uma escolha pessoal e certamente que quem faz essa opção conhece as dificuldades inerentes (se não conhece, deveria conhecer). Assim, mais ninguém deve ser diretamente responsabilizado pelas desvantagens encontradas.
Por outro lado, é um facto que muita da tradução (não só a literária) em Portugal se faz também à custa desta «falta de alternativa». Os fatores são muitos: demasiada oferta (frequentemente pouco habilitada), editores e leitores ainda pouco exigentes e pouco cientes de que qualidade e preço costumam andar a par, mercado pequeno (o que cria uma enorme pressão para baixar os custos das edições), fragmentação da classe (os escritores, tradutores, revisores e designers trabalham de forma relativamente isolada, o que os expõe mais às imposições dos clientes), entre outros.
2. Sem dúvida que a maioria os autores de artigos, crónicas, prefácios e afins são mal ou nunca remunerados. O «prestígio», a «honra» de pôr tinta no papel para público ver já deve ser paga suficiente. A questão é que não é. Algumas pessoas parecem acreditar realmente que «o tempo dos gestores é dinheiro, como o dos canalizadores, mas [que] quem escreve não paga luz, não tem fome, não tem família, não precisa de seguro, de segurança social, nem, mais à frente, de pagar o funeral.» É triste. Porém, cabe aos trabalhadores intelectuais combater isto. Recusar. Se no início de carreira se pode justificar fazer o sacrifício (enfim, como se fosse um estágio, para ganhar nome e experiência), depois disso há que pôr travão a essa prática que tudo distorce. Quem aceita trabalhar nestas condições tem uma boa fatia da responsabilidade. Há os que tomam partido disto, sim, mas porque há quem consinta.
De resto, todos sabemos que é difícil viver da escrita. Em Portugal ou em qualquer outro ponto do mundo. Isso não é surpresa. Milhares de escritores foram-no e são-no nos tempos livres. Se queremos dedicar-nos a isso a tempo inteiro, não podemos esperar que a sociedade reconheça automaticamente o valor dessa entrega e esteja obrigada a dar ao escritor todas condições necessárias para que exerça descansadamente a sua profissão. A verdade é que a sociedade em geral não está interessada em financiar a criação intelectual e artística. Se deve estar ou não, e em que moldes, já é outro assunto.
3. Os trabalhadores intelectuais têm também as suas responsabilidades neste campo. (It takes two to tango, ainda que uma parte seja mais fraca do que a outra.) Em muitos casos, não estão preparados para admitir que as suas criações têm um preço, reconhecer que são profissionais como outros e exigir o que lhes pertence. Há quem não respeite os autores, mas há muito autor que não se respeita a si mesmo. É duro reconhecê-lo, mas já vi isto acontecer demasiadas vezes.
4. e 5. Concordo inteiramente que incentivar a criatividade é fazer uma aposta a vários níveis e que as entidades têm muito a ganhar com isso. Por outro lado, discordo totalmente da ideia de ter de haver bolsas para escritores financiadas por dinheiros públicos. Essa possibilidade não tem de existir. Um governo deve preocupar-se em criar as condições sociais e económicas para um país e os seus cidadão — onde se incluem os autores — poderem prosperar, mas não penso que deva gastar os dinheiros públicos a financiar o autor X ou o autor Z. (Nem só de pão vive o homem, é certo, mas parece-me errado tirar pão da boca de quem mais precisa para poder alimentar os autores que querem dedicar-se exclusivamente à criação artística. Teríamos poetas-funcionários públicos?) Esta é uma questão complexa, que explorarei noutro post.
6. Impossível não concordar. Sublinho sobretudo esta passagem:
«Eu vejo duas boas razões para escrever [eu diria trabalhar, em geral] de graça. A primeira é quando alguém próximo nos pede. A segunda é quando reverte a favor de quem precisa. No primeiro caso trata-se de amizade, no segundo de voluntariado. O resto chama-se abuso.»
7. Não creio que o atual florescimento da indústria literária brasileira se deva diretamente aos subsídios governamentais; penso que se deve sobretudo ao ambiente económico que o país vive, que permite a muitas pessoas tomarem determinadas opções.
Além disso, este é um «momento em que tudo parece crescer no Brasil», sendo natural que os privados invistam nas artes. Em Portugal, nesta altura, pode exigir-se que Estado e privados invistam dessa forma? Pode esperar-se que os privados o façam (eu adoraria que o fizessem), mas não pode exigir-se. Quanto ao Estado, exijo é que cumpra o seu papel de forma competente e, como consequência, que nos liberte da ignorância e da corrupção, que nos poupe a esforços mal direcionados, deixando-nos mais tempo e dinheiro para pensar, ler, escrever.
8. Daqui, nunca é demais sublinhar que «vergonha é que quem convida não fale em dinheiro, indigno é partir do princípio de que os escritores dão o seu trabalho, a única coisa pela qual podem ser pagos». Infâmia é os clientes tentarem furtar-se a pagar o que devem aos seus fornecedores. Não nos esqueçamos disto.
Por outro lado, é um facto que muita da tradução (não só a literária) em Portugal se faz também à custa desta «falta de alternativa». Os fatores são muitos: demasiada oferta (frequentemente pouco habilitada), editores e leitores ainda pouco exigentes e pouco cientes de que qualidade e preço costumam andar a par, mercado pequeno (o que cria uma enorme pressão para baixar os custos das edições), fragmentação da classe (os escritores, tradutores, revisores e designers trabalham de forma relativamente isolada, o que os expõe mais às imposições dos clientes), entre outros.
2. Sem dúvida que a maioria os autores de artigos, crónicas, prefácios e afins são mal ou nunca remunerados. O «prestígio», a «honra» de pôr tinta no papel para público ver já deve ser paga suficiente. A questão é que não é. Algumas pessoas parecem acreditar realmente que «o tempo dos gestores é dinheiro, como o dos canalizadores, mas [que] quem escreve não paga luz, não tem fome, não tem família, não precisa de seguro, de segurança social, nem, mais à frente, de pagar o funeral.» É triste. Porém, cabe aos trabalhadores intelectuais combater isto. Recusar. Se no início de carreira se pode justificar fazer o sacrifício (enfim, como se fosse um estágio, para ganhar nome e experiência), depois disso há que pôr travão a essa prática que tudo distorce. Quem aceita trabalhar nestas condições tem uma boa fatia da responsabilidade. Há os que tomam partido disto, sim, mas porque há quem consinta.
De resto, todos sabemos que é difícil viver da escrita. Em Portugal ou em qualquer outro ponto do mundo. Isso não é surpresa. Milhares de escritores foram-no e são-no nos tempos livres. Se queremos dedicar-nos a isso a tempo inteiro, não podemos esperar que a sociedade reconheça automaticamente o valor dessa entrega e esteja obrigada a dar ao escritor todas condições necessárias para que exerça descansadamente a sua profissão. A verdade é que a sociedade em geral não está interessada em financiar a criação intelectual e artística. Se deve estar ou não, e em que moldes, já é outro assunto.
3. Os trabalhadores intelectuais têm também as suas responsabilidades neste campo. (It takes two to tango, ainda que uma parte seja mais fraca do que a outra.) Em muitos casos, não estão preparados para admitir que as suas criações têm um preço, reconhecer que são profissionais como outros e exigir o que lhes pertence. Há quem não respeite os autores, mas há muito autor que não se respeita a si mesmo. É duro reconhecê-lo, mas já vi isto acontecer demasiadas vezes.
(Imagem colhida daqui.)
4. e 5. Concordo inteiramente que incentivar a criatividade é fazer uma aposta a vários níveis e que as entidades têm muito a ganhar com isso. Por outro lado, discordo totalmente da ideia de ter de haver bolsas para escritores financiadas por dinheiros públicos. Essa possibilidade não tem de existir. Um governo deve preocupar-se em criar as condições sociais e económicas para um país e os seus cidadão — onde se incluem os autores — poderem prosperar, mas não penso que deva gastar os dinheiros públicos a financiar o autor X ou o autor Z. (Nem só de pão vive o homem, é certo, mas parece-me errado tirar pão da boca de quem mais precisa para poder alimentar os autores que querem dedicar-se exclusivamente à criação artística. Teríamos poetas-funcionários públicos?) Esta é uma questão complexa, que explorarei noutro post.
6. Impossível não concordar. Sublinho sobretudo esta passagem:
«Eu vejo duas boas razões para escrever [eu diria trabalhar, em geral] de graça. A primeira é quando alguém próximo nos pede. A segunda é quando reverte a favor de quem precisa. No primeiro caso trata-se de amizade, no segundo de voluntariado. O resto chama-se abuso.»
7. Não creio que o atual florescimento da indústria literária brasileira se deva diretamente aos subsídios governamentais; penso que se deve sobretudo ao ambiente económico que o país vive, que permite a muitas pessoas tomarem determinadas opções.
Além disso, este é um «momento em que tudo parece crescer no Brasil», sendo natural que os privados invistam nas artes. Em Portugal, nesta altura, pode exigir-se que Estado e privados invistam dessa forma? Pode esperar-se que os privados o façam (eu adoraria que o fizessem), mas não pode exigir-se. Quanto ao Estado, exijo é que cumpra o seu papel de forma competente e, como consequência, que nos liberte da ignorância e da corrupção, que nos poupe a esforços mal direcionados, deixando-nos mais tempo e dinheiro para pensar, ler, escrever.
8. Daqui, nunca é demais sublinhar que «vergonha é que quem convida não fale em dinheiro, indigno é partir do princípio de que os escritores dão o seu trabalho, a única coisa pela qual podem ser pagos». Infâmia é os clientes tentarem furtar-se a pagar o que devem aos seus fornecedores. Não nos esqueçamos disto.
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