15/03/2012

O plural de modéstia*

Já todos reparámos que os textos académico-científicos têm características próprias. Uma delas, e que salta bem à vista, é alguns autores usarem a primeira pessoa do plural — nós — em vez da primeira pessoa do singular — eu — quando exprimem as suas posições.**

Trata-se de uma mera questão de estilo, e também de tradição, nada tendo de incorreto. Com esta estratégia, os autores pretendem mostrar à academia ou aos leitores uma certa humildade, evitando a afirmação de um eu, mantendo um tom mais genérico e menos pessoal.

Contudo, isto sempre me causou estranheza… Se o autor é só um, por que razão fala como se houvesse mais gente a defender exatamente as mesmas ideias?
Apesar de estar muito familiarizada com esta tradição pluralizante, em vez de me parecer uma postura de modéstia, soa-me sempre a presunção, como se se dissesse «não sou o único a pensar assim, somos muitos».

Além do mais, numa altura em que já estamos tão contagiados pela simplicidade e descontração dos textos em inglês, pode parecer pura afetação por parte do autor, o que só o distancia do leitor.

O que pensam sobre isto?


* Não confundir com o «plural majestático», que, embora também troque a primeira pessoa do singular pela primeira pessoa do plural, é usado para outro fim.

** Refiro-me apenas a quando exprimem as suas posições («é nossa hipótese», etc.), não a quando sublinham a relação autor-leitor através de expressões como «consideremos agora» ou «como vimos atrás».

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