26/04/2012

Tempo para escrever

Muitas pessoas ainda romantizam a vida de escritor, imaginando que equivale a passar o dia num qualquer café acolhedor, escrevendo romances de uma assentada em pequenos cadernos. Pensam nos escritores como pessoas sem muito que fazer, cuja profissão é apenas contemplar o que está à sua volta e verter a inspiração para o papel. Nada mais longe da verdade.

Se há autores que vivem esta fantasia, são pouquíssimos. A esmagadora maioria tem uma profissão a tempo inteiro, exigências familiares, preocupações e afazeres quotidianos.
Sei de alguns escritores que passeiam pela cidade com desprendimento, mas não nos deixemos enganar pelas aparências. À noite estarão sentados ao computador, a trabalhar nos seus projetos. E quando não deambulam pela cidade ou não estão ao computador, os mais conhecidos andam em conferências, lançamentos, entrevistas e reuniões.

O mito do escritor boémio não corresponde à verdade 95% das vezes. Pode-se ser escritor e boémio, mas é muito difícil ser-se um escritor-boémio. Mesmo os mais desbragados, os que viveram nas margens da sociedade, tiveram de encontrar  disponibilidade e disciplina para pôr as ideias no papel. Isso requer trabalho e dedicação, quase sempre invisíveis para quem está de fora. O público só vê o livro acabado e, portanto, parece que  foi fácil escrevê-lo.

Hoje há muito mais pessoas a escrever do que há umas décadas. Muito mais pessoas que, apesar de levarem uma vida atarefada, procuram reservar algum tempo para a escrita no fim do dia ou ao fim de semana. Não é impossível conciliar as duas coisas, mas não se faz sem esforço. O esforço criativo e o esforço de suspender o quotidiano momentaneamente.

A maioria dos autores em part-time que se comprometem com o seu trabalho de escrita estabelece metas. X horas por dia, Y capítulos por mês, Z tempo para alterações. Podem anotar o prazo e os progressos num papelito ou numa folha de Excel. De uma forma ou outra, encaram o seu livro como um plano a cumprir antes de uma data limite. Depois, é o calendário que os guia, lembrando-lhes que têm de escrever.

Se tem ideias para um livro, seja literatura, poesia ou ensaio, não espere por uma inspiração divina, não queira saltar da página em branco para a festa de lançamento, não adie a escrita para uma altura em que terá mais tempo, porque provavelmente essa altura nunca chegará.
A vida é complicada, o tempo é escasso. A escrita leva tempo. Arranje tempo. Aceite que algumas coisas terão de ficar para trás.
E não pense que encarar a sua escrita desta forma mais objetiva e «menos poética/genial» lhe tira algum mérito. Pelo contrário. É a persistência que distingue um escritor de todas as outras pessoas que apenas pensam em escrever um livro.

Sem comentários:

Enviar um comentário