Lembro-me bem do primeiro livro de contos que li: Amor numa Rua Escura, de Irwin Shaw. Estava habituada a romances, na
coleção «Dois Mundos», e os contos foram uma surpresa. Depois do «primeiro
capítulo», o seguinte apresentava novas personagens e um outro enredo, o que me
deixou intrigada. Ainda esperei que as duas histórias se viessem a cruzar, coisa que
não aconteceu. Ao terceiro conto, aceitei que eram narrativas independentes e continuei a ler. Embora tivesse acabado a leitura com uma
sensação de estranheza por estas histórias tão diferentes entre si estarem
guardadas sob a mesma capa, percebi que gostava da fórmula. Os contos espelham
bem a brevidade e/ou a intensidade de alguns acontecimentos. E o
facto de serem necessariamente concentrados torna-os ideais para
muitos casos. Contudo, há um certo preconceito para com o conto.
A moderna forma literária por excelência é o
romance. O romance é complexo, extenso e quem consegue dominar esta maneira de
contar histórias é glorificado por isso. Mas, para quem ainda
não se tinha apercebido, aqui fica a novidade: um conto, uma novela ou uma
micro ficção podem ser tão ou mais complexos do que um romance. Não é por um
livro ter 450 páginas que se torna mais admirável. Aguentar boa prosa ao longo
de muitas páginas é, sem dúvida, meritório, mas… e concentrar ideias? Trabalhar com limitações? É-o
menos? Afinal, Carlos Lopes e Francis Obikwelu são ambos campeões.
E todavia... O romance é a fórmula que a maioria
dos leitores de hoje parece preferir. A maioria dos editores alinha, considerando as
coletâneas de contos arriscadas do ponto de vista comercial. A novela ainda é
mais difícil de definir e vender, algures entre o conto e o romance. A micro ficção,
então, fica-se praticamente pela internet, raramente passando a livro. Ao que parece, para muitas
pessoas, quanto mais páginas tem uma obra, mais compensa o tempo e dinheiro gastos nela, como se a economia de escala se aplicasse à literatura.
O romance merece o destaque que tem,
naturalmente. Há motivos para isso. Mas as outras formas literárias não devem
ser deixadas em segundo plano. E não sou só eu a achá-lo.
Ian McEwan e os
editores da Paris Review, por exemplo, estão comigo.
A verdade é que o tamanho nada diz da qualidade. Um
bom haiku tem mais conteúdo do que todas as letras do Quim Barreiros (e não são
poucas). Por vezes, menos é mais. Os maus escritores, aliás, costumam ser
prolixos — escrever não lhes custa, não pensam muito no que põem no papel.
Não julgue um texto pela forma. Melhor ainda: não
julgue a forma. De todo. O verdadeiro leitor (e escritor) atenta às palavras, seja qual for o meio em que estas lhe cheguem.
Se nunca leu contos, experimente. Pegue num livro
de vários contos do mesmo autor, em que uma única voz atravessa as diversas
histórias, ou pegue numa coletânea de vários autores, se quiser provar um
pouco de tudo.
E se quer começar a escrever ficção e a ideia de um romance o intimida, comece pelos contos ou por outras fórmulas mais curtas. A beleza da escrita é poder assumir todas as formas que se queira.
The
last man on Earth sat alone in a room. There was a knock on the door...