Queridos dois leitores que o meu silêncio ainda não alienou,
Não é hoje que retomo a actividade regular no blogue; passei cá só para tomar umas notas neste meu caderno público, que quiçá vos façam proveito. Não são verdades absolutas nem rasgos de originalidade, mas foram pequenas epifanias que tive – que não li apenas, que tive mesmo – e que, só por isso, merecem ser grafadas. São duas ou três e ocorreram-me/constatei-as nos últimos dias (se fosse só uma ou se se me tivessem chegado mais espaçadamente, talvez não lhes desse esta honra). Ei-las:
– O contar de uma história não tem de seguir a ordem dos acontecimentos que descreve. O desenrolar ordenado, aliás, pode ser bastante aborrecido e não reflecte a errância das memórias.
– A primeira página não tem de explicar a história ou as personagens. O leitor não tem de (por vezes nem deve) saber tudo sobre a história e as personagens, muito menos logo na primeira página (mas convém que esta seja fortíssima, claro, o suficiente para o agarrar).
– Uma boa frase pode justificar plenamente a mudança da história. Porém, se essa for a única frase realmente boa, há que repensar o resto que se escreveu. Talvez seja de a deitar fora, para evitar o contraste, ou de descartar tudo o resto e começar de novo, tendo essa frase como padrão.
– Há revelações sobre as personagens que podem (e por vezes devem) ficar para o fim. Preserva-se o mistério e a complexidade, além de que se espelha a realidade. Quantas vezes não é no fim que vimos a saber certas coisas?
Notas para mim própria:
– Não tem de ser genial para ser bom. Não tem de ser tudo bom para ser bom no todo.
– Feito é melhor do que perfeito.
–Respira. Muito boa gente começa tarde e nem por isso se sai pior. Talvez o oposto. Não tenhas pressa.
– Mas passa à prática. Agora é sempre melhor do que depois.
08/07/2014
06/06/2014
07/03/2014
Verdade verdadinha
Literature is the right use of language irrespective of the subject or reason of utterance.
Evelyn Waugh
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05/03/2014
EscRever
Valério Romão, autor de várias obras – onde se inclui um conto publicado no primeiro número da edição portuguesa da revista Granta (que depois foi traduzido e que passará ao ecrã) – disse isto ontem na sua página de Facebook. Nós, por cá, não podíamos concordar mais!
04/03/2014
Vida de autor
Na cerimónia dos Óscares de domingo, aquando da entrega dos prémios para melhor argumento, Robert De Niro disse o seguinte:
«The mind of a writer can be a truly terrifying thing. Isolated, neurotic, caffeine-addled, crippled by procrastination and consumed by feelings of panic, self-loathing and soul-crushing inadequacy. And that’s on a good day.»
Animador, não? :) Mas verdadeiro, pelo menos às vezes.
«The mind of a writer can be a truly terrifying thing. Isolated, neurotic, caffeine-addled, crippled by procrastination and consumed by feelings of panic, self-loathing and soul-crushing inadequacy. And that’s on a good day.»
Animador, não? :) Mas verdadeiro, pelo menos às vezes.
(Na imagem, um De Niro a fazer lembrar Samuel Beckett. Colhida daqui.)
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21/02/2014
A voz
Talvez mais importante do que tudo o resto numa obra – tema, personagens ou correção linguística – seja a voz, quer se trate de um poema curto ou um romance de quinhentas páginas. A voz de um autor é aquilo que o torna único, diferente de tudo o que veio antes, do que virá depois e do que os seus contemporâneos estão a fazer. Alguns autores encontram esta voz depressa e ela surge-lhes espontaneamente, outros debatem-se com isso a sua vida inteira. A voz equivale à autenticidade, daí que seja tão importante para o autor encontrá-la e para o leitor senti-la.
Neste texto, a escritora Holly Lisle oferece dez pistas para os autores encontrarem a sua própria voz e ganharem confiança nela. Porque ela está lá; muitas vezes, são só o medo ou o ouvido destreinado que nos impedem de a escutar.
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02/01/2014
2013
Foi um ano de poucos posts. Quando penso nisso, sinto alguma pena, mas não dura muito —
outros fazem-no tão bem ou melhor do que eu, a minha freguesia, embora
importante, não é muita, e, sobretudo, tenho mais que fazer. Enquanto
tiver mais que fazer, os blogues ficarão para segundo plano. Em todo o
caso, são projectos em curso, longe de falecidos. Como eu.
Para post de despedida calendária, um balanço, um único, que os
outros são interiores, o dos livros que li em 2013 (além dos que
escrevi, revi e traduzi, e não incluindo as centenas de artigos
consumidos), mais ou menos por ordem de leitura:
Confessions of a Buddhist Atheist, de Stephen Batchelor (no tablet)
Berta La Larga, de Cuca Canals
O Ente Querido, de Evelyn Wagh (trad. de Jorge de Sena, com uma ou outra coisa a melhorar)
Hitch 22, de Christopher Hitchens <3 <3 (no tablet)
The Fran Lebowitz Reader, da mesma
O Sistema Periódico, de Primo Levi (com uns capítulos melhores do que outros e com um particularmente bom)
A Terra das Ameixas Verdes, de Herta Müller
Afirma Pereira, de A. Tabucchi
O Templo Dourado, de Mishima (que não li até ao fim, por já estar satisfeita)
Auto-de-fé, de E. Canetti
A Short History of Nearly Everything, de Bill Bryson (no tablet)
Consider the Lobster and Other Essays, de DFW <3 <3 <3 (no tablet)
O Verão de 2012, de Paulo Varela Gomes
A Bíblia do Caos, de Millôr Fernandes
O Fogo e as Cinzas, de M. Fonseca
Tanta Gente, Mariana, de M. J. Carvalho
The City and The City, de China Miéville (no tablet)
Contos, vol. I, de Tchékhov (ainda por terminar, está na m-d-c, será um por noite)
A Noite e o Riso, de Nuno Bragança
Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, de D. Klein e T. Cathcart
Maus, de Art Spiegelman
A Livraria Noite e Dia do Sr. Penumbra, de R. Sloan
A História de Rosa Brava, de J. Régio
Both Flesh and Not, de DFW <3
A Supposedly Fun Thing I Will Never do Again, de DFW <3<3
Berta La Larga, de Cuca Canals
O Ente Querido, de Evelyn Wagh (trad. de Jorge de Sena, com uma ou outra coisa a melhorar)
Hitch 22, de Christopher Hitchens <3 <3 (no tablet)
The Fran Lebowitz Reader, da mesma
O Sistema Periódico, de Primo Levi (com uns capítulos melhores do que outros e com um particularmente bom)
A Terra das Ameixas Verdes, de Herta Müller
Afirma Pereira, de A. Tabucchi
O Templo Dourado, de Mishima (que não li até ao fim, por já estar satisfeita)
Auto-de-fé, de E. Canetti
A Short History of Nearly Everything, de Bill Bryson (no tablet)
Consider the Lobster and Other Essays, de DFW <3 <3 <3 (no tablet)
O Verão de 2012, de Paulo Varela Gomes
A Bíblia do Caos, de Millôr Fernandes
O Fogo e as Cinzas, de M. Fonseca
Tanta Gente, Mariana, de M. J. Carvalho
The City and The City, de China Miéville (no tablet)
Contos, vol. I, de Tchékhov (ainda por terminar, está na m-d-c, será um por noite)
A Noite e o Riso, de Nuno Bragança
Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, de D. Klein e T. Cathcart
Maus, de Art Spiegelman
A Livraria Noite e Dia do Sr. Penumbra, de R. Sloan
A História de Rosa Brava, de J. Régio
Both Flesh and Not, de DFW <3
A Supposedly Fun Thing I Will Never do Again, de DFW <3<3
Peguei noutros, mas desinteressei-me e não contam.
Também na m-d-c, para terminar ou começar ainda este ano:
Love, Poetry and War, de Christopher Hitchens <3
Em Busca do Tempo Perdido, vol. I, de M. Proust
S., de J. J. Abrams e Doug Dorst
Para o ano? Acabar o D. Quixote, que ficou a meio, a
Bíblia, Rayuela (a ver se é desta que passo das primeiras páginas e
avanço sem medo de ficar esmagada), Guerra e Paz, A Divina Comédia e
mais uns quantos clássicos que consiga deglutir, entrecortados com
disparates, para não variar. A ver se faço outra lista destas no fim,
que tem graça.
Espero que tenham tido um bom Natal (com livros, além de meias e chocolates) e que 2014 vos seja leve.
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20/12/2013
18/12/2013
Os tis não são todos iguais
Depois deste artigo da semana passada sobre acentos, chamaram-me a atenção para o facto de o til não ser propriamente um acento e sim um sinal gráfico de nasalação que pode funcionar como acento, como bem explica o Ciberdúvidas. Na palavra órfão, pelos vistos, o til não é um acento. Mas dá algum jeito falar em «sinal gráfico de nasalação»? Para efeitos práticos, prefiro não discriminar. :)
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12/12/2013
Acentos inesperados
Gosto muito de palavras com acentos onde menos se espera. Parecem-me sempre muito futuristas e dissonantes. Uma delas é «órfão», que leva dois acentos, embora muita gente pense que só leva um, no ão. Se a palavra não fosse duplamente acentuada, leríamos «orfão», como em «orfeão». De todas elas, acho que a minha preferida é «averigúe». Adoro aquele acento no u. Se não estivesse lá, ler-se-ia «averigue», como em «mastigue». Na minha cabeça, o efeito do «gúe» é mais ou menos este:
Ocorrem-vos mais algumas palavras com acentos inesperados?
Nota: Parece que, com o novo AO, «averigúe» perde o acento, tal como outras semelhantes, o que é uma verdadeira pena. Quase tão triste como a perda do acento em «pára».
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11/12/2013
06/12/2013
Ensinamento n.º 1
Há uns anos, fiz um curso de escrita criativa com o Rui Zink. Colhi daí várias ideias que entretanto esqueci e também uma ou outra que ficarão comigo para sempre. O mais importante que aprendi (confirmei) foi sobre mim e não sobre a escrita em si: que gosto mesmo de palavras e que elas também não se dão mal comigo. O principal ensinamento, esse, é transmissível:
À primeira sai sempre piroso, só lugares comuns; à segunda tentativa melhora.
Acredito que a grande diferença entre um bom escritor e um escritor fraco é que, em geral, este último se contenta com a primeira versão. Esta é uma ideia que tanto os perfecionistas, que querem produzir uma obra-prima assim que pousam a caneta no papel, como os desleixados, que não estão para ter trabalho, devem manter por perto (ainda que, por vezes, as coisas até saiam boas logo à primeira).
Boa sexta-feira!
05/12/2013
Desmitificar / desmistificar
Este é um daqueles pequenos enganos em que quase toda a gente incorre: trocar mitificação com mistificação. «Mitificação» diz respeito a mito, conceção ilusória ou forma de pensamento primitiva, não científica; «mistificação» diz respeito a mistificar, 1) ato ou efeito de enganar alguém ou 2) atribuir carácter místico a alguma coisa. O mito e a mística são coisas vagamente parecidas, talvez daí a confusão, mas mitificar e mistificar não são a mesma coisa.
Assim, antes de dizermos ou escrevermos «desmistificar», devemos pensar se nos queremos realmente referir a um desengano ou a retirar a algo o carácter místico, ou se na verdade estamos a querer dizer «desmitificar», isto é, desfazer um mito.
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02/12/2013
28/11/2013
Assumir e presumir
De há uns anos a esta parte, vejo todos os dias gente a dizer e escrever coisas como: «assumi que estarias em casa», «inicialmente, assumimos que era seguro», «não assumas se não tens dados suficientes para o fazer». O que, na verdade, estas pessoas querem dizer é presumir.
«Assumir» é um verbo transitivo que significa:
1. tomar sobre si; atribuir-se
2. encarregar-se de; arrogar
3. adotar; ostentar
4. alcançar; atingir
(Gostaria de ver um exemplo desta última aceção numa frase, porque não estou a conseguir imaginar a palavra com esse sentido, mas está bem.)
Só recentemente – e ao que parece começou tudo no contexto da Filosofia (são terríveis, os filósofos...) – é que se começou a usar o «assumir» para significar a admissão de algo a título de hipótese, como base de uma investigação, de um raciocínio. Este novo «assumir» deriva muito diretamente to «to assume» inglês. Tal como usar «assunção» para traduzir «assumption», quando a tradução correta seria «presunção». Trata-se de um false friend.
À primeira vista, pode parecer presunçoso ligar a estas pequenas distinções – e é fácil dizermos que o «assumir» pode ser facilmente estendido a um «presumir» se o usarmos no primeiro ou no terceiro sentido da lista de definições acima (ex.: «adoto uma determinada proposição como hipótese» ou «tomo como verdadeira certa informação») –, mas nada há de menos presunçoso do que a simplicidade e a clareza. E presumir traduz tão melhor o que queremos dizer... pre-, antes, antes de termos a certeza. Em geral, só assumimos uma coisa depois de estarmos certos dela; já não há margem para especulações: encarregamo-nos, reconhecemos, adotamos. Assim, assumamos de uma vez por todas que, quando supomos, presumimos.
1. tomar sobre si; atribuir-se
2. encarregar-se de; arrogar
3. adotar; ostentar
4. alcançar; atingir
(Gostaria de ver um exemplo desta última aceção numa frase, porque não estou a conseguir imaginar a palavra com esse sentido, mas está bem.)
Só recentemente – e ao que parece começou tudo no contexto da Filosofia (são terríveis, os filósofos...) – é que se começou a usar o «assumir» para significar a admissão de algo a título de hipótese, como base de uma investigação, de um raciocínio. Este novo «assumir» deriva muito diretamente to «to assume» inglês. Tal como usar «assunção» para traduzir «assumption», quando a tradução correta seria «presunção». Trata-se de um false friend.
À primeira vista, pode parecer presunçoso ligar a estas pequenas distinções – e é fácil dizermos que o «assumir» pode ser facilmente estendido a um «presumir» se o usarmos no primeiro ou no terceiro sentido da lista de definições acima (ex.: «adoto uma determinada proposição como hipótese» ou «tomo como verdadeira certa informação») –, mas nada há de menos presunçoso do que a simplicidade e a clareza. E presumir traduz tão melhor o que queremos dizer... pre-, antes, antes de termos a certeza. Em geral, só assumimos uma coisa depois de estarmos certos dela; já não há margem para especulações: encarregamo-nos, reconhecemos, adotamos. Assim, assumamos de uma vez por todas que, quando supomos, presumimos.
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